As lições do toque do Shofar. Shaná Tová!

As lições do toque de Shofar
As lições do toque de Shofar

Não lembro exatamente o ano, mas acredito que tenha sido no início do novo milênio, quando participei como tradutora simultânea de um evento internacional na Casa Retiro de São Francisco, em Salvador, Bahia. E quem estava lá no encontro inter-religioso com irmãs franciscanas estrangeiras e brasileiras, além de membros da comunidade católica local? Henry Sobel, Rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP). Fiquei encantada com a possibilidade de traduzi-lo para o português! Fui até ele, me apresentei e ele disse:

Que bom contar com o seu apoio! Só que falarei em português para honrar com a maioria das pessoas que estão participando do evento. Você me traduzirá para o inglês, pode ser?

Henry Sobel, Rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP)
Henry Sobel, Rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP)

Claro que disse que sim e fiquei encantada com a postura dele! Com o seu sotaque português americano, ele falou eloquentemente sobre a linguagem do amor e do respeito principalmente aos mais vulneráveis e necessitados de justiça social. Ao passo que ia traduzindo o rabino, conseguia visualizar todas as nuances das suas palavras!  E teve um trecho enfatizado pelo Sobel sobre o toque do shofar, que lembro como se fosse hoje, ainda mais neste momento que nós judeus e judias estamos nos preparando para o ciclo do ano novo de 5782, nosso Rosh Hashaná.

Shofar

O shofar é um dos mais antigos instrumentos de sopro utilizados pelo ser humano e ele continua igual desde então. Na tradição judaica, o som que ele emana traz em si o clamor, o nosso despertar para um compromisso renovado e mais profundo com a expansão da consciência planetária. O Rabino Sobel foi mais além quando se referiu à atitude do tocador de shofar: ele dá um passo para trás para ganhar mais fôlego e humildade ao reconhecer a sua imperfeição. Com esse acerto de contas com o passado, é possível dar um passo à frente e entoar os ecos do futuro no presente.

E são três os sons do shofar: Tekiyá, Shevarim e Teruá. O primeiro, Tekiyá, é um som contínuo, como um longo suspiro, e simboliza o amor do Eterno por Israel Em Rosh Hashaná celebra-se a criação do ser humano. Shevarim e Teruá – lembram suspiros e gemidos abafados que penetram no coração e servem para despertar a pessoa para o arrependimento e o retorno.

Outra frase que o Rabino Sobel costumava dizer e que soa como música para os ouvidos: “A missão do judeu não é tornar o mundo mais judaico. A missão do judeu é tornar o mundo mais humano.” Em tempos de tanta polarização e discurso de ódio, é importante abraçar a nossa diversidade com inclusão e responsabilidade mútua.

Nas nossas andanças presenciais e virtuais no mundo da comunicação internacional, traduzimos muitos assuntos, pessoas e não temos como lembrar tudo que processamos. Mas há falas que se transformam em uma espécie de mantra, de encantamento. O *Rabino Sobel, de abençoada memória, tem essa capacidade de romper as barreiras do tempo e espaço. Um talento para quem toca o universo e toda a sua criação.

Gratidão a essa nossa profissão de traduzir vozes que guardam em si muita visão e ação do passado, presente e futuro, assim como ecoa muito bem, as lições dos toques do shofar.

Shaná Tová Umetuká!
Shaná Tová Umetuká!

O rabino Henry Sobel (1944-2019) nasceu em Portugal, foi criado nos Estados Unidos mas tornou-se conhecido pelo trabalho que desenvolveu no Brasil ao longo de quatro décadas, em defesa dos direitos humanos. Em 1975, Sobel recusou-se a enterrar o jornalista Vladimir Herzog na ala reservada aos suicidas do Cemitério Israelita do Butantã (SP). Com isso, desafiou corajosamente a versão oficial do regime militar, responsável pelo assassinato de Herzog. Sobel, ao lado do cardeal D. Paulo Evaristo Arns e do pastor Jaime Wright, liderou um ato ecumênico em homenagem a Herzog que se transformaria na primeira das grandes manifestações populares que conduziram ao final do regime militar, quase dez anos depois.

De presente, um lindo texto do nosso querido Rabino Sobel, para nossa reflexão:

Urgência de Viver

Esperamos demais para fazer o que precisa ser feito, num mundo que só nos dá um dia de cada vez, sem nenhuma garantia do amanhã. Enquanto lamentamos que a vida é curta, agimos como se tivéssemos à nossa disposição um estoque inesgotável de tempo.
Esperamos demais para dizer as palavras de perdão que devem ser ditas, para pôr de lado os rancores que devem ser expulsos, para expressar gratidão, para dar ânimo, para oferecer consolo.
Esperamos demais para ser generosos, deixando que a demora diminua a alegria de dar espontaneamente.
Esperamos demais para ser pais de nossos filhos pequenos, esquecendo quão curto é o tempo em que eles são pequenos, quão depressa a vida os faz crescer e ir embora.
Esperamos demais para dar carinho aos nossos pais, irmãos e amigos. Quem sabe quão logo será tarde demais?
Esperamos demais para ler os livros, ouvir as músicas, ver os quadros que estão esperando para alargar nossa mente, enriquecer nosso espírito e expandir nossa alma.
Esperamos demais para enunciar as preces que estão esperando para atravessar nossos lábios, para executar as tarefas que estão esperando para serem cumpridas, para demonstrar o amor que talvez não seja mais necessário amanhã.
Esperamos demais nos bastidores, quando a vida tem um papel para desempenhar no palco.
Deus também está esperando nós pararmos de esperar. Esperando que comecemos a fazer agora tudo aquilo para o qual este dia e esta vida nos foram dados.
É hora de VIVER!
( Henry Sobel zl)

Um Ano Novo Doce!
Shaná Tová Umetuká!
A gente merece a vida inteira!

Jacqueline Moreno,
Tradutora Intérprete Simultânea Remota e Presencial & Educadora e Facillitadora de Cursos de Inteligência Coletiva & Produtora de Conteúdo & Especialista em Storytelling & Jornalista & Ambientalista, Diretora executiva da Vegah Soluções em Comunciações Intenacionais. www.vegah.com.br

1 Comentário em As lições do toque do Shofar. Shaná Tová!

  1. Querida Jacqueline, que texto maravilhoso e repleto de sabedoria! Um convite para a reflexão sem dúvida!
    Mazal Tov! Um ano doce… Shaná Tová Umetuká.

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