Sinal de alerta geral! É para toda sociedade, redes e plataformas digitais

Sinal de Alerta

Dependendo das redes e plataformas que nos relacionamos com maior frequência, percebemos claramente os tempos estranhos que estamos vivendo.

E ninguém melhor para explicar esse fenômeno da ascensão do populismo da extrema direita  no Brasil, que o Michel Gherman, historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É também orientador acadêmico do Instituto Brasil Israel (IBI) .

Como integrante do IBI no Campus, local de encontro de pessoas estudiosas  e curiosas sobre temas relacionados ao judaísmo progressista e pensamento crítico de vários temas que nos são caros, reitero as palavras do nosso professor. E como intérprete simultânea de eventos com a presença dele, digo o quanto é gratificante traduzir o pensamento do Michel Gherman, não só pela sua clareza de raciocínio, mas principalmente pela necessidade urgente de ter a sua voz ecoada em vários idiomas, linguagens, países e redes sem fronteiras.

A gente merece a vida inteira e com muita responsabilidade pela vida de tod@s!

Jacqueline Moreno

Segue a entrevista  no mínimo, didática.

‘Nazismo passou por um processo de normalização pública’

Marcelo Roubicek 09 de fev de 2022 (atualizado 09/02/2022 às 22h16) O ‘Nexo’ conversou com o historiador Michel Gherman, professor da UFRJ, sobre como o tema se manifesta no debate público do país.

Na terça-feira (8) e na quarta-feira (9), o nazismo foi tema de debates nas redes sociais no Brasil. Dois episódios impulsionaram as discussões. O primeiro foi o caso do podcaster Bruno Aiub, conhecido como Monark. No “Flow Podcast” do dia anterior ele defendeu a criação de um partido nazista  no Brasil, dizendo se tratar de uma questão de liberdade de expressão.

O programa recebia os deputados Kim Kataguiri (DEM-SP) e Tabata Amaral (PSB-SP). Kataguiri afirmou na conversa achar errado que a Alemanha tenha criminalizado o nazismo depois da Segunda Guerra Mundial, e também se queixou de partidos comunistas terem mais espaço na imprensa que defensores do nazismo. Depois da repercussão negativa, o podcast anunciou na terça a retirada do ar do episódio e a saída de Monark.

O segundo caso foi o do comentarista Adrilles Jorge, que foi demitido da Jovem Pan News após ter feito um gesto associado ao nazismo (/extra/2022/02/09/Comentarista-é-demitido-da-Jovem-Pan-após- gesto-associado-ao-nazismo) em um debate sobre Monark. A saudação, similar à difundida por Adolf Hitler e seus seguidores, foi repreendida no ar pelo apresentador do programa “Opinião”, William Travassos. Nas redes sociais, Adrilles afirmou que só estava dando “um tchau” e que está sendo vítima da “insanidade dos canceladores (https://twitter.com/AdrillesRJorge/status/1491266431987904517) ”.

Antes de fazer o gesto, Adrilles afirmou ser contrário https://twitter.com/JovemPanNews/status/1491147323543638017) à existência de um partido nazista no Brasil. Ele chamou o movimento de “absolutamente asqueroso”, baseado no extermínio étnico. No entanto, estabeleceu um falso paralelismo entre a ideologia e as legendas comunistas que não pregam a exclusão de minorias e jogam dentro das regras (/expresso/2018/10/26/Por- que-a-‘ameaça-comunista’-ainda-é-usada-na-eleição) da democracia brasileira.

Não é a primeira vez em anos recentes que o tema do nazismo veio à tona no debate público. Em 16 de janeiro de 2020, a Secretaria Especial da Cultura do governo federal publicou um vídeo em que o então chefe da pasta, Roberto Alvim, copiava uma fala de Joseph  Goebbels (/expresso/2020/01/17/Como-Roberto-Alvim-imitou-o-  discurso-de-Goebbels-no-vídeo-que-levou-à-sua-demissão) , ministro da Propaganda de Adolf Hitler. Além dos elementos da fala, o vídeo trazia referências à estética nazista, como a trilha sonora. O episódio levou à demissão de Alvim  (https://oglobo.globo.com/cultura/roberto-alvim-demitido-da- secretaria-especial-da-cultura-24196589) no dia seguinte, após forte  pressão sobre o governo (/expresso/2020/01/17/Por-que-falas- como-a-de-Alvim-têm-espaço-no-bolsonarismo) de Jair Bolsonaro.

Em 10 de maio de 2020, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), responsável pela comunicação social da Presidência, publicou nas redes sociais uma mensagem que dizia: “o trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil  (https://twitter.com/secomvc/status/1259680347962380290) ”. A frase usada pelo órgão oficial do governo se assemelha ao lema “o trabalho liberta”, conhecido por estar inscrito em alemão no portão de entrada do campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia – um dos maiores símbolos do regime da Alemanha nazista. A secretaria  rechaçou (https://www.poder360.com.br/midia/planalto-usa-lema- que-evoca-nazismo-secom-contesta-interpretacao/) qualquer referência e disse que o Estado brasileiro é um parceiro  (https://twitter.com/secomvc/status/1259680483925000192) da comunidade judaica.

Na quarta-feira (9), sem fazer menção aos recentes episódios envolvendo Monark e Adrilles, Bolsonaro disse no Twitter que o nazismo precisa ser repudiado  (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/bolsonaro-  repudia-de-forma-irrestrita-o-nazismo-e-faz-equiparacao-com- comunismo.shtml) “de forma irrestrita e permanente, sem ressalvas”. O presidente fez em seguida uma equiparação do nazismo ao comunismo.

Nexo conversou com o historiador Michel Gherman, professor de sociologia na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e colaborador do Instituto Brasil-Israel, sobre essas manifestações recentes. Nos últimos anos, houve diferentes episódios de manifestações públicas associadas ao nazismo – de Roberto Alvim a Monark e Adrilles Jorge. Existe um constrangimento menor de se falar sobre nazismo (sem ser para repudiar) no Brasil atualmente?

MICHEL GHERMAN Acho que o nazismo passou por um processo de normalização pública. Vejo pouquíssimo constrangimento. É claro que há tentativas de recuperar esse constrangimento quando se promove demissão. Mas é um constrangimento produzido depois das falas terem sido feitas. Em relação ao constrangimento social, vejo que na afirmação de ser de esquerda ou de ser comunista hoje no Brasil [o constrangimento] é maior do que a afirmação de ser simpático ao nazismo.

Quais as origens dessa normalização?

MICHEL GHERMAN Localizo o surgimento dessa normalização do nazismo – que é uma espécie de negacionismo histórico – a partir daquele famoso debate público que funcionou no Brasil (mais do que em outros lugares) de que o nazismo seria um movimento de esquerda.

Em 2012, houve uma fala muito importante do Bolsonaro com relação ao Holocausto, utilizando referências muito claras de um historiador negacionista do Holocausto, David Irving. Antes disso, tinha havido uma fala do próprio Bolsonaro sobre o filho dele não se casar com negros, num debate que ele teve com a Preta Gil. Essas referências trouxeram para perto do Bolsonaro o movimento neonazista brasileiro, que é um movimento que sempre existiu. Mas a partir desse momento eles assumem publicamente um posicionamento pró-bolsonarista. Bolsonaro nunca desprezou esse apoio – pelo menos publicamente ele nunca foi claro em relação a isso.

Em 2013 houve as manifestações que sacudiram as estruturas sociais e políticas brasileiras, e quem estava no poder em 2013 era o Partido dos Trabalhadores. A esquerda acaba sofrendo mais do que a direita. Mas o discurso antipolítica sofre de maneira muito pungente uma modificação muito radical, e não só a esquerda, mas também a direita liberal acaba sendo afetada. E quem surge de maneira muito forte são os grupos antissistema, dentre eles os neonazistas que já tinham um candidato, ou um agente, um representante, que era Bolsonaro.

Em paralelo a isso, surge um outro elemento, que é o elemento de formação de uma nova direita brasileira. É uma nova direita pseudo- intelectualizada a partir dos cursos de Olavo de Carvalho. E ali, no Olavo de Carvalho, há uma normalização do nazismo. [Para Olavo, onazismo] tem dois momentos: o primeiro momento é o momento em que o nazismo cresce e surge a partir de uma perspectiva legítima do povo alemão, que é o momento de 1933 até 1939. E o segundo momento, que Olavo de Carvalho dizia que foi um exagero, que foi o momento da perseguição e extermínio dos judeus. O que Olavo de

Carvalho faz é normalizar a primeira fase do nazismo.

O filho siamês disso, que é o que chamo de bolso-olavismo, é a ideia de que o nazismo está correto, e o que está errado é o Holocausto. Nesse sentido, o Holocausto seria um desvio do nazismo.

Para além dessa origem, como se dá a relação entre a extrema direita brasileira e o nazismo?

MICHEL GHERMAN Temos um presidente da República que nasceu forjado por símbolos e gramática política do nazismo. Não é casual o slogan da campanha do Bolsonaro, “o Brasil acima de tudo”. Não é

casual o aparecimento e o surgimento de uma gramática política que utiliza referência ao nazismo, como, por exemplo, “o trabalho

liberta”. Quando digo que Bolsonaro é nazista, não estou dizendo que Bolsonaro quer construir um campo de concentração. Bolsonaro olha para o nazismo como inspiração política. Ele incorpora a gramática política do nazismo e se transforma em um seguidor das suas estratégias e táticas políticas.

O olavismo, que é um grande parceiro na construção de uma nova consciência política no Brasil, produz a ideia de que o nazismo – e aqui está a relativização do nazismo – não deve ser jogado de todo fora. O que deve ser jogado de todo fora é o desvio que o nazismo teria produzido, que se chama Holocausto. O elemento de sombra entre os dois é o elemento que diz o seguinte: o nazismo é um movimento legítimo; o problema do nazismo foi o Holocausto.

Sendo o nazismo um movimento legítimo e tendo ele criado uma coisa problemática que é o Holocausto, há duas possibilidades. Uma é a possibilidade tradicional do negacionismo histórico do Holocausto, que é dizer que o ele não existiu. E a outra, que é uma possibilidade muito bem-sucedida onde ela foi feita – e aqui no Brasil ela foi melhor sucedida do que outros lugares –, é dizer o seguinte: o Holocausto existiu, mas quem o produziu foi a esquerda.

É isso que acontece no Brasil. No Brasil, a extrema direita, que eu chamo de bolso-olavismo, abre mão da defesa do extermínio dos judeus, mas se vincula a perspectivas gramaticais, políticas e estéticas do nazismo.

O bolsonarismo e o olavismo se transformaram em movimentos de massa. O que o bolsonarismo produziu foi a possibilidade de articular essa direita brasileira – que hoje é mais forte do que a direita liberal – em nome de práticas, estéticas e símbolos nazistas.

Não é casual. Quem transformou a estética nazista, o conspiracionismo nazista em tema central da direita foi o bolso- olavismo. O bolso-olavismo fez isso a partir de uma aposta que a direita liberal fez nesse movimento, como alternativa para derrubar a esquerda. A direita brasileira não é nazista. A direita brasileira apostou num movimento neonazista típico, o bolso-olavismo, e hoje esse movimento é maior do que ela.

Boa parte da extrema direita bolsonarista se associa a símbolos judaicos e diz admirar o judaísmo. Dá para se falar em antissemitismo? Há ódio contra judeus?


MICHEL GHERMAN Perceba que citei gramática nazista, citei Holocausto, mas não citei os judeus. O que acontece em algum momento é que o bolso-olavismo se articula dizendo o seguinte: nós somos a favor de perspectivas xenófobas, ultranacionalistas, relativizamos o Holocausto. Mas somos a favor de Israel e dos judeus.

De que Israel e de que judeus é que é o grande ponto. Olavo de Carvalho, a partir de perspectivas conspiracionistas, diz que há dois tipos de judeus. Os judeus étnicos e os judeus religiosos. Os religiosos não abrem mão da sua cultura, da sua tradição. Esses judeus são de verdade. Os judeus étnicos, que deixaram de ser religiosos, que passaram a ser seculares e de esquerda, são inimigos dos judeus religiosos. E aí ele cria um potente discurso sobre o judeu imaginário.

O judeu imaginário do Olavo de Carvalho é o judeu que não abre mão dos valores tradicionais. O judeu perigoso do Olavo de Carvalho é o judeu que abriu mão dos valores tradicionais. Não só é antissemita, como é antissemitismo renovado. Ele diz o seguinte: tem judeus bons e judeus ruins; a gente está atacando os judeus ruins, que são seculares e de esquerda. Os judeus bons são religiosos e de direita.

Ele [o bolso-olavismo] traz o debate sobre antissemitismo para si e diz “eu não sou antissemita, eu uso símbolos judaicos”. E segundo, ele afasta a esquerda judaica dizendo: “esses caras não são de verdade, são de mentira. São judeus falsos”. Nesse contexto, ele aproxima a bandeira de Israel e símbolos judaicos dizendo “esses

símbolos são nossos”. É uma lógica estratégica: é difícil acusar uma pessoa que anda com a bandeira de Israel de ser antissemita. Mas o que estou dizendo é que não só é antissemita, como é um antissemitismo extremamente criativo e renovado: é um antissemitismo contra judeus específicos, e não contra todos.

O comentarista Adrilles Jorge reproduziu um gesto associado ao nazismo em público. Ele foi antissemita?

MICHEL GHERMAN Esse símbolo é um vinculado aos assassinos dos judeus. Dá para fazer essa conexão, por assim dizer, política. Mas uma conexão fenomenológica tem mais a ver com a fala que ele teve antes de fazer o símbolo. Antes de fazer o símbolo, ele disse que os comunistas mataram muito mais pessoas do que os nazistas, e hoje têm representantes no Parlamento e partidos livres. E o ponto final dele foi o Sieg Heil [a saudação nazista].

Talvez tenha sido a experiência mais completa de aprovação das táticas e das estratégias nazistas. Ele fez uma fala absolutamente negacionista do Holocausto – os nazistas não mataram só 6 milhões de pessoas.

A extrema direita tem uma categoria que ela não conhece, que se chama genocídio. A categoria de genocídio é uma categoria baseada no assassinato deliberado de populações civis. Na perspectiva da extrema direita, não há população civil. [Para a extrema direita,]

todos os grupos que são vítimas de genocídio são vítimas por causa de alguma atitude que eles teriam cometido antes. Os judeus que morreram morreram por algum motivo. Os indígenas que não foram vacinados, não foram vacinados por algum motivo. Os muçulmanos da Bósnia não tiveram acesso à defesa internacional por algum motivo.

Eles não negam o Holocausto porque duvidam que os judeus tenham sido mortos. Eles negam o Holocausto porque não acreditam que haja população civil. Para eles, quando há um assassinato de um grupo inteiro, alguma coisa esse grupo fez para ser assassinado.

Essas lógicas são sempre lógicas que justificam o genocídio pela atuação da vítima, e nunca a perspectiva do algoz.

É por isso que a extrema direita brasileira é negacionista do Holocausto. Ela não reconhece a categoria de genocídio. Quando Adrilles diz que morreram 6 milhões, ele não entra no contexto. Não entra no debate sobre assassinato em massa deliberado, não entra no debate sobre projeto de extermínio. Ele está falando sobre aritmética da morte [comparando com os mortos pelo comunismo]. É um tipo muito sofisticado de negacionismo.

Na fala no podcast, Monark defendeu a liberdade de grupos nazistas se organizarem como partido. Ele foi antissemita?

MICHEL GHERMAN Monark é subproduto dessa normalização do nazismo. Até agora, falamos sobre formuladores dessa perspectiva bolso-olavista neonazista, que é uma perspectiva que deu resultado e mobilizou setores importantes da sociedade brasileira.

Como subproduto disso, pessoas não ligadas à formulação dessas ideias se sentem mais à vontade, menos constrangidas em falar sobre nazismo. E pessoas que têm uma inspiração nazista, gostam, são seduzidas pelo nazismo, falam sobre isso de maneira mais aberta. Nem todos os ignorantes que falam sobre liberdade do Partido Nazista a partir de um conceito de liberdade de expressão são efetivamente ligados a essa estratégia do bolso-olavismo.

Mas o que essa estratégia produziu foi o desconstrangimento público: “falar sobre nazismo é bom, não tem problema”. O que aconteceu ontem com o Kim Kataguiri e o Monark é exatamente isso. Essas pessoas que não têm uma posição antinazista, antifascista atávica, são pessoas que utilizam o debate sobre nazismo para defender a liberdade de expressão. O nazismo não está mais interditado. Quem desinterditou o nazismo foi Bolsonaro. E aí se espalha pelo crescimento exponencial de grupos neonazistas no Brasil, se espalha pela relativização da ideia de nazismo, se espalha por um deputado federal falar sobre nazismo de maneira clara e aberta. Isso tudo não é produto direto do bolsonarismo, mas é subproduto da relativização e da normalização do nazismo no Brasil.

O que Monark fez foi relativizar o nazismo, ao mesmo tempo que relativizou o antissemitismo. O antissemitismo é, em última instância, a possibilidade de pessoas com origem específica serem atacadas no espaço público sem que isso seja alvo de constrangimento legal.

É um erro achar que o Monark está falando sobre judeus. Quando ele fala sobre judeus, ele está falando sobre um continente que se chama minorias – minorias sociais, étnicas, raciais. O que incomoda Monark – e aqui é uma posição de extrema direita – é que as minorias sejam defendidas perante a lei, dentro do Estado. O que incomoda o Monark é que essas minorias sejam alvo de legislação que as proteja. Monark gostaria de ver um mundo onde os mais fortes vencem os mais fracos, porque “o mundo é assim, a vida é assim”. Que é uma perspectiva tipicamente neonazista.

Antes de falar que deveria haver um partido nazista no Brasil, Monark já havia questionado se “ter uma opinião racista é crime”. A questão do antissemitismo/nazismo dialoga com a questão do racismo no Brasil? Como?

MICHEL GHERMAN O antissemitismo não é nada além de uma forma específica de racismo contra os judeus, a partir da ideia de que os judeus são vistos como um grupo único – o racismo é isso, perceber os negros como um grupo único sem contradições internas – degenerador e uma ameaça aos outros.

É claro que no Brasil, os judeus têm uma posição social maior do que os negros, porque no Brasil os judeus se transformaram em brancos.

E a branquitude dá privilégios aos judeus. Mas é um equívoco discutir nazismo e racismo a partir da responsabilidade das vítimas. Quando se discute nazismo pensando o que o judeu fez, ou o racismo pensando o que o negro fez, você está dando sentido ao nazista, ao racista.

A atitude e a reação da sociedade em relação ao que o Monark falou [sobre nazismo] foi mais poderosa do que em relação ao que ele tinha dito quando ele falou dos negros. Por vários motivos. O primeiro motivo é que o nazismo está numa categoria meio intocável para setores importantes da sociedade brasileira, ainda. Apesar de ter havido uma desregulamentação do nazismo, tem gente que ainda se afeta com a ideia de nazismo. Segundo porque há uma movimentação de um grupo branco discriminado que afeta mais a mídia do que um grupo negro discriminado. E terceiro porque como o antissemitismo é, por assim dizer, um sentimento conjuntural [e não estrutural], ele é mais sentido do que um racismo estrutural.

O racismo brasileiro é tão estruturado que às vezes, de tão visível, ele se transforma em invisível. Então é claro que a reação é diferente.

Mas seria um erro criticar a reação – a demissão do Adrilles e a demissão do Monark – porque as suas vítimas são judeus. O que tem que se fazer é vincular as vítimas do bolso-olavismo, para que elas lutem juntas contra esse ambiente político-ideológico que tomou conta do Brasil desde 2018. Ou seja, é um excelente motivo para o debate de grupos discriminados – no caso, negros e judeus – se impor ao debate de grupo discriminadores, no caso racistas, antissemitas e nazistas.

A população brasileira conhece a história do nazismo e do Holocausto? Como frear o avanço do nazismo no Brasil?

MICHEL GHERMAN [A população] Não conhece nem a história do nazismo, nem a do Holocausto, nem a do antissemitismo. E a única maneira que você tem de frear [o avanço do nazismo] é estudando ele.

Acho que, para evitar a expansão do Brasil como Disneylândia do nazismo, é preciso estudar o nazismo, e não necessariamente focar no estudo do Holocausto. Porque o Holocausto não produziu o nazismo: o nazismo produziu o Holocausto. E o Holocausto é tão terrivelmente poderoso, tão feio esteticamente, tão dramático, que quando você fala sobre o Holocausto, você tira do jogo político as origens dele. Porque se o Holocausto é simplesmente o extermínio de milhões de pessoas em câmaras de gás, nada [atualmente] se compara ao Holocausto. Agora, o problema não é o Holocausto, são as condições políticas, sociais e econômicas que garantiram o Holocausto e o genocídio.

Quando os judeus foram mortos, eles já eram desumanizados. A gente tem que discutir como se chegou até lá. Este governo que a gente tem no Brasil hoje é um governo que se articula com as estruturas políticas do nazismo (do nazismo de 1933 a 1939, não do nazismo da solução final). Você tem teorias conspiratórias, racismo, xenofobia, militarização, produção de milícias. Você tem tudo isso. Você não tem o Holocausto, mas o nazismo também não tinha o Holocausto antes de 1939. Ele passa a ter a partir de 1939.

Uma reação da extrema direita é dizer “ok, vamos criminalizar o nazismo, mas também vamos criminalizar o comunismo”. Mas o comunismo é um movimento político legítimo, que existe na sociedade brasileira e tem capilaridade. Quando se fala em criminalizar o comunismo, se está propondo a criminalização de milhões de pessoas, de milhões de brasileiros. O que ele está dizendo é basicamente o que o nazismo começou a fazer ainda nos anos 1930, quando criminalizava politicamente pessoas e colocou elas na cadeia por posições políticas.

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