Segundas pelas Vidas Negras: A solidão corporativa da mulher negra

A solidão corporativa da mulher negra - Texto por: Fabiana Rocha

Texto por: fabianafrocha

Quando uma mulher negra tem dificuldade de se estabelecer em uma relação amorosa estável, damos a isso o nome de Solidão da Mulher Negra. De acordo com o censo de 2010, 52,52% das mulheres negras que participaram do levantamento não viviam uma união estável.

Mas será que essa solidão acompanha a mulher negra apenas na sua vida amorosa? Com certeza não!

A maioria das mulheres negras brasileiras não exerce trabalho remunerado e apenas 8% delas ocupam cargos executivos. Se há, no Brasil, mais de 56% de pretos e pardos, há uma discrepância enorme nesse número.

No meu dia-a-dia, uso muito um teste para comprovar que algo está bem fora do lugar: faço o teste do pescoço. Quer tentar? É fácil!

Vire o pescoço para um lado e para outro em um restaurante caro, em uma loja de luxo, nas reuniões de trabalho e veja quantos negros estão disfrutando desses espaços com você. Veja bem, exclua todos aqueles que estão te servindo, limpando, estacionando seu carro.

Todas as vezes que faço esse teste percebo que na grande maioria das vezes eu sou a única pessoa negra que não está servindo. Quando comecei a fazer isso, entendi que o tema da solidão da mulher negra ia me acompanhar em muitos aspectos da minha vida, inclusive no profissional.

Quando eu morava na periferia de São Paulo (alô Vila Rubi) eu era cercada de pessoas negras. No colégio e em muitos dos meus primeiros empregos também.

A coisa começou a mudar quando entrei em uma faculdade particular de renome. Estudando de manhã, em um dos bairros mais caros de São Paulo, percebi que o número de pessoas que se pareciam comigo, ou que tinham o mesmo nível social que o meu, foi diminuindo. Os poucos que se pareciam, eram bolsistas como eu.

A medida que eu mudava de emprego, o número de pretos ao meu redor diminuía: eles continuavam nos ônibus lotados na volta pra casa, atrás do balcão da padaria, mas quase nunca nas mesas de reunião, nas bancas de TCC ou como professores numa sala de aula.

Quanto mais eu progredia na minha carreira, mais me distanciava das minhas origens e dos meus semelhantes. Quando iniciei minha trajetória na área de vendas foi o momento no qual me senti mais sozinha. Era comum eu ser a única negra na reunião, no restaurante caro ou nas viagens internacionais. O teste do pescoço era certeiro: negros servindo, poucos negros se destacando.

No mundo corporativo, tive poucas vezes a chance de trocar uma dica de cabelo, pedir uma maquiagem emprestada ou falar de temas sociais e de inclusão com uma mulher negra. Falar de negócios com pessoas que se parecem comigo então, muito raro.

E quando você chega a um lugar e encontra um dos seus é como se vocês já se conhecessem há muito tempo, mesmo que estejam se vendo pela primeira vez. Há um sentimento de alegria por saber que chegamos ali. No entanto, a consciência de que muitos no caminho não nos acompanharam é um pouco dolorida (e solitária).

A minha maneira de lidar com isso é me aproximar muito mais das mulheres negras que conseguiram galgar alguns degraus na escalada injusta do mundo corporativo (para além dos assuntos de raça, sabemos que também há uma disparidade entre o número de homens e mulheres em cargos de liderança e na remuneração de cada um).

A minha rede de conexões no LinkedIn (e na vida) tem se tornado cada vez mais negra. Ouço quem chegou lá e trabalho para que um dia também possa chegar. No caminho, espero trazer os meus comigo. É um trabalho árduo e demorado, mas que pouco a pouco tem se tornado menos solitário.

Vale lembrar que vivemos em um país com uma enorme desigualdade social, onde nem todos têm as mesmas oportunidades. Não é apenas uma questão de esforço e mérito para que você chegue a algum lugar na carreira. Infelizmente nem todos recebem as mesmas chances.

As ações de diversidade e inclusão governamentais ou privadas vêm para corrigir essas desigualdades e tentar fazer com que todos tenham as mesmas possibilidades. Um mundo mais diverso não é bom apenas para os negros (ou gays, ou PCDs), é um mundo melhor para todos, onde cada um pode se reconhecer no outro. Economicamente falando, empresas diversas são mais criativas e lucrativas. No fim, todo mundo ganha.

Na minha trajetória, sei que ganhei, mas não queria ganhar sozinha. Quero que você, menina e menino preto, da periferia, xingado pelo cabelo crespo, pelo seu nariz largo e boca grande também ganhe. Quero que você que fica três horas em pé no ônibus, você que vende o almoço para pagar a janta, vira a noite estudando e vai trabalhar no outro dia também chegue lá. Quero ver você no mercado de trabalho, sendo bem remunerado, viajando, comendo bem e desfrutando dessa vida. Quero que você tenha o seu lugar ao sol, mas também na mesa da diretoria e tomando decisões que influenciam a nossa sociedade para que ela tenha cada vez mais equidade e igualdade.

Você vem comigo? Não me deixe sozinha!

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