Como jornalista de formação e depois de atuar em jornais e canais de TVs como repórter alguns anos atrás, cultivo o hábito de “garimpar” informações e me atualizar sobre os fatos. Faço isso sistematicamente e quando as ameaças à democracia e à falta e desigualdades de distribuição de vacinas contra a Covid 19 circulam mais rapidamente nas redes, eu então reforço às buscas também em sites internacionais para ver como anda a repercussão. Uma forma de tentar antever reações. Funciona em muitos casos, mas com o nível de incerteza que estamos inseridos, essa corrida em desatino pelos fatos estava me deixando ansiosa e corroendo a minha energia vital ,paciência e esperança.
Aproveitei os dez dias “terríveis” da tradição judaica que foi entre o Rosh Hashaná e Yom Kippur (Ano Novo e Dia do Perdão), dei um “basta” nas redes e usei de forma bem despretenciosa o instagram, o linkedin, o facebook, o tweet e principalmente o whatsApp. As notificações insistentes como sempre, faziam de tudo para me distrair, mas eu resistia bravamente aos seus chamados. Olhava rapidinho e voltava para o foco.
O mais interessante foi perceber o quanto o relógio “esticou” seus ponteiros! Tive mais tempo para colocar leituras de livros em dia, estudar para as provas de pós-graduação em educação transformadora e escrever artigos e publicações com mais prazer. Trabalhei como de costume no home office e também como nômade digital, mas o vínculo com o espaço mudou. A meditação foi voltada para organização de armários, doação de objetos e principalmente sapatos (para que tantos, se hoje eu ando mais descalça, ou com tênis, botas de trilhas, sapatilhas de andar em pedras, havaianas e pés-de-pato? ). Tive mais disposição de podar as folhagens do jardim e pude sentir com mais intensidade, o frescor do vento chegando com os sanhaços livres e saltitantes na varanda.
O PODER DA ESCUTA
E como eu me mantive informada? Esse foi o grande momento que me fez questionar como buscar o equilíbrio de me atualizar sem cair na armadilha de ficar alienada e muito menos desinformada. Como eu consegui? O meu nível de curiosidade em ouvir as pessoas se elevou exponencialmente. Aproveitei as interações humanas para “tomar pé” das novidades. Ouvi de tudo de bolsonaristas e lulistas radicais, arrependidos e esperançosos; negacionistas e cientistas, democratas, autocratas e populistas.
Isso! Eu aprendi a escutar sem julgamentos, apesar de por dentro ficar com vontade de interromper a pessoa com as minhas inegáveis argumentações ou então, de concordar e adicionar às minhas contribuições. Mas me contive. Escutar é um verbo que precisa ser conjugado em todos os tempos e espaços e serve como poderoso antídoto contra a intolerância. Escutar ativa a empatia e a curiosidade. É portanto um “óleo essencial” para reduzir a toxicidade do fanatismo, da polarização e do discurso de ódio promovido pelas redes.
Os dez dias me ensinaram a sobreviver sem as redes e ainda mais, a passar muito bem sem a necessidade de checar toda hora as “últimas notícias”! E olha, não vou entrar na questão “fake news”, porque isso é o lixo digital mais deletério para a nossa humanidade e sanidade mental. Mentir é crime e não tem nada a ver com liberdade de expressão ou opinião pessoal. Desinformar é sinônimo de deformar e neste caso, devemos ser intransigentes na denúncia e na busca pela punição.
TEMPERANÇA E SERENDIPISMO
Como estou gerindo meu tempo depois das lições aprendidas? Com temperança! Essa é a palavra que me deu mais flexibilidade mental! Gostei deste significado: “temperança é ter moderação, equilíbrio e parcimônia em suas atitudes. Do latim “temperantia” “guardar o equilíbrio”. Temperança é um substantivo feminino que nomeia a qualidade ou virtude de quem atua comedidamente, com prudência, sem a prática de exageros. Ter temperança é ter controle sobre as paixões, é ter sobriedade em suas atitudes e decisões, é evitar os excessos em seus apetites, seus desejos e vontades”.
E teve mais uma outra valiosa lição aprendida! Com o tempo mais elástico, houve a criação do espaço para a ocorrência do potente fenômeno da arte dos encontros com Serendipity! Traduzindo: serendipismo ou ainda serendipitia, é um anglicismo que tem a ver com descobertas afortunadas feitas, aparentemente, por acaso. “A história da ciência está repleta de casos que podem ser classificados como serendipismo. O conceito original de serendipismo foi muito usado em sua origem. Nos dias de hoje, é considerado como uma forma especial de criatividade, ou uma das muitas técnicas de desenvolvimento do potencial criativo de uma pessoa adulta, que alia perseverança, inteligência e senso de observação”.
Eu recomendo fortemente esse nosso repensar e eu iria um pouco mais além. Vamos nos convidar para o nosso despertar.
O Efeito Zuckerberg ocorrido no dia 4 de outubro de 2021 é reflexo do apagão que estamos todos descontroladamente subordinados. É isso que realmente desejamos para o nosso presente futuro?
Confesso que só fiquei meio aflita porque tinha que fazer parte de uma TSR (tradução simultânea remota) e precisava estar conectada com o cliente e com a minha colega de cabine que estava em Macapá. A sorte é que o Google e a internet foram parceiros e nos comunicamos via celular e e-mail. Deu tudo certo!
E depois do trabalho, aproveitei o tempo livre para ver o pôr-do-sol e contemplar vênus aparecendo lindamente no céu. Achei melhor contemplar o vasto universo do que o limitado mundo que cabe na tela. Ficou claro que quando ele cai, a gente pode abrir a janela e contemplar a natureza e entender os seus sinais. E quando olhamos para o alto temos a clarividência de que não há fronteiras, mas sim, muitas constelações de estrelas.
Muita temperança e serendipismo para todos nós com os nossos laços!
A gente merece a vida inteira!
Jacqueline Moreno
Jornalista, escritora, tradutora, intérprete simultânea, educadora e pesquisadora na área de inteligência coletiva e cooperação tendo como fonte de inspiração, a sociedade dos golfinhos rotdores de Fernando de Noronha. . É diretora executiva da Vegah Soluçõ~es em Comunicações Internacionais.
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