30 de Setembro, dia de quem sabe traduzir lágrimas e sorrisos

Com o pseudônimo de Ferreira Gullar, José Ribamar Ferreira, um dos fundadores do *neoconcretismo, é meu inspirador professor de poesia, crítica de arte, biografia, memórias e ensaios. Gullar também é colega tradutor e no meu entender, um dos maiores intérpretes da vida.

A poesia Traduzir-se é uma declaração de amor à nossa arte de sermos imperfeitos.

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?

Sim! A arte de “traduzir-se” tem implicação com a transgressão, mas não com a traição literal. Já pensou se ficássemos lá no Jardim do Éden sem provar do fruto proibido da árvore do conhecimento? Como poderíamos aprender a nos reinventar, a nos virar de ponta a cabeça e fazer coisas que Deus duvida? Como poderíamos falar a língua dos anjos e desconstruir a *Torre de Babel? Como dançaríamos com bolhas nos pés?

Como responderemos a um sorriso sem nos olharmos como espelho? O “sacro” ofício de tradutor(a) e intérprete é uma obra-de-arte sempre inacabada. Somos irrecuperáveis e insaciáveis aprendizes especialistas em estudar. Somos as vozes de pessoas doutoras no assunto que levam anos de suas vidas pesquisando e chegando às suas próprias conclusões . E nós, simples mortais, temos que passar a mensagem da forma mais fluente e eloquente possível como se já soubéssemos da matéria há séculos. A boa nova é: Conseguimos!

Quando o assunto é interpretação simultânea, seja remota ou presencial, “curamos” a gagueira do cientista, “reconstruímos” a fala truncada e frases desconexas da analista, “polimos” a rispidez inadequada do articulista, “acalmamos” o nervosismo do futurologista e damos coragem para os falantes de primeira viagem.

Será arte? Sim! Pura arte da imperfeição com retoques de valentia e engenhosidade. A nossa humanidade nos traduz e não nos reduz, muito pelo contrário. Será que os computadores serão capazes de nos substituir nas traduções orais remotas e presenciais?

Contarei um fato real que aconteceu comigo no município de Tancredo Neves, no Baixo sul da Bahia, no tempo que a vida era de fato, presencial:

Estávamos em uma reserva de *Quilombolas no meio da Mata Atlântica, na companhia dos anciãos considerados os mais sábios, como também dos adultos, jovens e crianças. Eu era a “voz” em português de um professor americano, phd em desenvolvimento de comunidades. Foi feita uma grande roda e todos nos sentamos próximos uns dos outros. Assim nos tornamos iguais. Traduzi todas as falas no “pé do ouvido” do professor (whispering translation) .

Teve um momento que uma menina de uns 8 anos de idade pediu bênção à mulher mais velha, ou seja, a mais sábia, se posicionou no centro do círculo humano e declamou uma poesia linda. O professor ficou surpreso e eu também. A menina finalizou dizendo:

– Seja bem-vindo professor. Só peço uma coisa ao senhor. Me ajude a crescer como Quilombola. Não deixe a nossa comunidade desaparecer.

O professor embargou a voz e ao falar, deixou cair uma lágrima. Eu, ao ouvi-lo, o traduzi e deixei cair também uma lágrima. Foi algo tão natural . No final, um ancião pediu a palavra e falou:

– Já vi de tudo nesta vida, mas é a primeira vez que espio uma pessoa traduzir lágrimas. Que coisa bonita de se ver!

Depois disso, todos riram coletivamente e eu traduzi todos os risos.

Pergunta que fica para as plataformas digitais que vivem atualizando suas versões e prometendo mundos e fundos:

– Quem traduzirá as lágrimas e os sorrisos, além de polir, construir pontes e refazer laços das pessoas que falam? A inteligência artificial (IA) conseguirá se humanizar ao ponto de fazer a emoção correr na veia da nossa ânima?

Vou confessar algo que faço habitualmente na minha “cabine remota” . Além da duplicidade de operadoras de celulares, computadores, headphones e internet cabeada, trago comigo um espelhinho para ver o meu sorriso e lembrar de levá-lo na voz, diretamente para a nossa majestade, o (a) ouvinte! E também um lencinho, para os momentos de fortes emoções.

Sorrisos

Hoje, dia 30 de setembro, é o dia mundial do nosso ofício sagrado!

Parabéns a todos e todas que escolheram esta arte e também foram escolhidos e escolhidas por ela, como foi no meu caso. Feliz dia e bons E-ventos para todos nós!

Em nome da Vegah Soluções em Comunicações Internacionais e dos laços de cooperação, agradeço ao Catálogo de Tradutores, Humana Tradução & Comunicação e todas as parcerias, agências e clientes que solicitam e indicam nossos serviços!

Somos imbatíveis quando nos unimos na busca incessante do nosso estado da arte e inteligência coletiva!

Ferreira Gular, diretamente da Constelação Traduzir-se, congratulações!!!!!!!!!! Você é um dos pontos de luz mais brilhante do universo!

A gente merece a vida inteira!

Jacqueline Moreno

Tradutora intérprete simultânea remota e presencial, educadora e professora do Curso de Inteligência Coletiva, produtora de conteúdo, storytelling, jornalista e ambientalista

 

Links relacionados:

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Torre de babel

6 Comentários em 30 de Setembro, dia de quem sabe traduzir lágrimas e sorrisos

  1. Simplesmente mais que demais!!!!
    Jackie é uma tradutora de almas, de olhos e de corações, além de ser uma tradutora com Alma, Olhos e Coração Maiúsculos. E onde fica a inteligência? A dela passa, perpassa e transpassa pelos olhos lacrimejados e sorridentes entremeada de pulsações de sua alma… alma que dança, sorri e canta!
    Inteligência artificial é artificial, é falsa e fajuta comparada à de Jaqueline, é mera burrice eficiente… e isso, se muito inteligente…

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