O mais barulhento silêncio tem vez e voz

Documentário produzido por Jessica Menezes com a direção e roteiro de Marccela Moreno sobre a violência contra a mulher em nosso país

Documentário produzido por Jessica Menezes com a direção e roteiro de Marccela Moreno sobre a violência contra a mulher em nosso país
Documentário produzido por Jessica Menezes com a direção e roteiro de Marccela Moreno sobre a violência contra a mulher em nosso país

A cada 11 minutos uma mulher é violentada no Brasil. A cada 4 minutos uma mulher é socorrida nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Uma em cada 4 mulheres será estuprada até o fim da vida. Esta é a sombria realidade do Brasil e mesmo com todas as alarmantes notícias e evidências de desrespeito e violência, ainda há muita dificuldade de aplicar a lei para frear e até mesmo prender os agressores que se multiplicam toda vez que a impunidade vence. O silêncio ensurdecedor das vítimas é o pior dos cenários do ponto de vista psicológico e estatístico, mas já começa a ganhar vez e voz através de ações de justiça e cidadania.

A sétima arte ouviu os chamados e a resposta veio com “O “Mais Barulhento Silêncio”, curta metragem dirigido por Marccela Moreno, estudante de cinema da PUC-Rio, selecionado para representar a instituição acadêmica no 11º Festival de Cinema Latino-americano em junho de 2016 em São Paulo e foi exibido na abertura do “Congresso Científico Internacional Violência Doméstica: A Patologia que Mata” em Salvador Bahia com presença da diretora.

Marccela Moreno é responsável pela direção, montagem e roteiro.
Marccela Moreno é responsável pela direção, montagem e roteiro.

A motivação de realizar o projeto cinematográfico de cunho político, poético e social veio como forma de processar o estupro sofrido pela jovem cineasta aos 26 anos. Um ato de coragem exemplar e mais do que isso, uma atitude de empoderamento e ativismo diante da apatia e omissão de muitos atores da sociedade que acabam reforçando a cultura do machismo. O estopim da realização do curta “O Mais Barulhento Silêncio” ocorreu em abril de 2015 ao ter o seu “não querer” totalmente desmerecido. “Fui estuprada pelo cara com quem estava saindo na época. Não foi algo fisicamente violento, apesar de ter sido extremamente desrespeitoso numa esfera simbólica. Só que não sabia que tinha sido vítima do estupro. Lembro que levei uns cinco dias passando muito mal e depois entendi a gravidade do que havia vivenciado”.

Ao conversar com as suas amigas, Marccela se deparou com uma desoladora realidade: a maioria delas tinha uma história parecida, igual ou até mesmo pior. “E eu não sabia disso, mesmo sendo amiga delas há anos. Nenhuma de nós falava sobre isso” lembra acrescentando que resolveu confrontar o agressor que depois de ter negado e a insultado, fez mea culpa e ainda quis saber como poderia proteger a filha para não passar no futuro pelo que ele havia feito com Marccela. “Por isso que dedico o filme a todas as “Isabels com s e com z, nome da cria dele”, justificou.

A arte a serviço da vida

Durante os quinze minutos do curta metragem, as histórias das quatro mulheres que sofreram estupros são narradas por atrizes. Mas se a expectativa for ouvir relatos de atentados em becos escuros na madrugada, haverá quem duvide que realmente se trata de um crime. Marcela enfatiza que a maioria deles acontece “dentro de casa, no convívio, por pessoas em que confiamos (maridos, namorados, ficantes, amigos). E em muitos desses casos há a vergonha de se reconhecer como estuprada (dizer essas palavras em voz alta já é de dar arrepios em muita gente), ter de ouvir, “mas você estava na casa/cama dele” ou “você bebeu naquela noite, não bebeu? ”. Então, silenciamos””, explica, alertando que o “culturalmente aceito como normal” é altamente deletério para a saúde das mulheres e que é preciso mudar este pernicioso modelo mental.

Elenco contou com a participação de Amanda Tedesco, Clara Anastácia, Elisa Ottoni e Karina Diniz
Elenco contou com a participação de Amanda Tedesco, Clara Anastácia, Elisa Ottoni e Karina Diniz

Com o intuito de preservar as fontes e evitar constrangimentos e julgamentos, a dramaturgia foi a linguagem sugerida por Angeluccia Herbert, coordenadora do curso de cinema da PUC Rio e única mulher da banca examinadora da seleção dos filmes ganhadores. A veracidade às cenas se deu com ensaios e dinâmicas de corpo com intensa interação entre as atrizes e a suas fontes empaticamente inspiradoras: as mulheres violentadas. O resultado é surpreendente e o cenário muito adequado ao peso que o estupro imprime nas suas sete letras: um canteiro de obras subterrâneo, repleto de concreto, ferro e ambiente que remete a um quarto desconstruído ao mesmo tempo que denuncia de forma contrastante os símbolos frequentemente associados à pureza e sexualidade feminina como um vestido branco, uma cama branca, rosas, trigo, provocando assim um efeito dialético.

Marccela estabeleceu como pré-requisito a presença de mulheres em todas as etapas do projeto, fortificando os laços de pertencimento, amizade e parceria na profissão. “Foi um processo de cura e empoderamento. Acredito que fizemos algo muito importante para nós mesmas, para o público e para o cinema brasileiro que tem que abrir mais espaço para novos talentos femininos”, acrescenta.

Não foi mera coincidência

O Mais Barulhento Silêncio foi exibido no auditório da PUC no dia 24 de maio deste ano e na manhã seguinte os jornais anunciaram a triste notícia de que uma adolescente havia sido estuprada por 30 homens em uma favela do Rio de Janeiro. E não demorou muito, mais outros horrores no Nordeste foram noticiados. “É inacreditável! Se mesmo num caso em que foi documentado, registrado, mostrando uma menina sendo estuprada por dezenas de homens, houve fontes que buscaram desacreditar nos fatos, imagina o que pensam sobre as histórias reveladas no nosso filme? ” Questiona Marccela, enfatizando a necessidade da educação de base para filhos do sexo masculino que devem respeitar as mulheres com senso de igualdade e integridade, deixando de lado o machismo e compreendendo que o não é uma palavra existente no respeito a vontade da outra pessoa em qualquer circunstância. “A sociedade precisa reconhecer que precisamos ser vistas como um ser humano por inteiro e que o nosso corpo não pode ser tratado como domínio público. Isto precisa mudar!.”

O Mais Barulhento Silêncio vem sendo exibido em salas de aula de escolas ocupadas pelo movimento estudantil no Rio de Janeiro e também no Edf Capanema no “Ocupa MINC Ministério da Cultura”.
O Mais Barulhento Silêncio vem sendo exibido em salas de aula de escolas ocupadas pelo movimento estudantil no Rio de Janeiro e também no Edf Capanema no “Ocupa MINC Ministério da Cultura”.

Um documentário instigante, revolucionário e necessário. Marcela Moreno se mostra preocupada com o difícil momento do Brasil e o crescimento da “onda conservadora de ultradireita, na qual as minorias estão arriscadas a perder seus direitos conquistados com tanta luta”. E ela vai mais além ao concluir dizendo que o projeto feito a várias mãos femininas é também um ato de resistência: “decidimos romper esse silêncio ante os estupros de nossos corpos e almas de mulheres que somos e sempre seremos”. Marccela Moreno nasceu em Porto Alegre, foi criada em Salvador e em Berlim e hoje mora no Rio de Janeiro.

Jornalista responsável: Jacqueline Moreno | WhatsApp: 71 9 9654 8772.
Marccela Moreno | WhatsApp: 21 9 6981 1678

Veja vídeo na GNT

Ficha Técnica

Nome: O Mais Barulhento Silêncio
País: Brasil
Gênero: Documentário
Duração: 15 minutos
Produção: Jessica Menezes
Direção: Marccela Moreno
Roteiro: Marccela Moreno
Elenco: Amanda Tedesco, Clara Anastácia, Elisa Ottoni e Karina Diniz
Direção de Fotografia: Marina Moulin e Marina Nunes
Direção de Arte e Figurino: Camille Girouard e Duda Monteiro
Maquiagem: Camille Girouard
Som Direto: Marta Lopes
Assistente de som: Maria Carolina Rodrigues
Assistente de Direção e Casting: Gabriela Ciuffo
Assistentes de Produção: Alice Araújo e Isabel Koracakis
Gaffers: Danilson e Bartolomeu
Logger: Bruna Augras
Still: Catu Gabriela Rizo
Making of: Marina Gurgel
Montagem: Marccela Moreno e Helio Chrockatt
Edição de Som e Mixagem: Lucas C. Raiol
Cor: Bruna Ramalho
Trilha Sonora Original: Maze Soundtracks
Face Book: O Mais Barulhento Silêncio

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*